Diário Underground #2

Diário Underground #2

18 de abril de 2018 508 Por Yasmin Ramyrez

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“Uma lágrima e um sorriso”: sobre perdas, zoeira, amizade e Rock n Roll.

Domingo dia 15 de abril de 2018 faleceu aos 67 anos Alberico Santos Barbosa. O Mestre Alberico, dono de estúdio musical mais gente boa do Rio, que se você não conheceu, sinto muito. Perdeu, playboy! Escrevo hoje pra colocar mais uma pequena peça na engenhoca que é a história do underground e pra fazer geral ficar com inveja de quem teve o privilégio de conhecer o bom e velho Berics!

O destaque aqui é o trampo dele no Estúdio Kaoma, mas preciso dizer que o Berico também foi um professor muito amado na PUC e em outras universidades (descobri ao ver muitas placas de homenagens em sua casa), um engenheiro eletrônico de destaque (tendo participado do projeto secreto do primeiro submarino nuclear brasileiro. lol) e como músico compôs e tocou em diversos grupos desde a adolescência, participou de festivais, fez apresentações internacionais, tem canções em espanhole e inglês, e até poucos anos antes de adoecer mantinha a alcunha artística de Alber Barbosa (vai no YouTube que você achará algumas canções românticas). O dono do estúdio que tu ensaia pode atéeee ser músico, mas num fez um submarino, fez?

 

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El justiceiro tchá tchá tchá

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Berico quase púbere na época do conjunto TRACES, em 1969.

Cara, desde que o estúdio foi aberto em 2002, no Méier (zona norte da cidade do Rio de Janeiro) até sua última sessão de ensaio em 5 de abril de 2018 centenas de músicos tocaram naquelas salas empoeiradas e/ou gravaram seus trabalhos naquela mesa do tempo de Moisés. Da Capoeira ao Gospel, do Death Metal ao Progressivo, Punk Rock, Samba, Choro, Blues e Hard Rock… todos estes estilos foram gravados por nosso amigo, que a todos recebia e obrigava a ouvir histórias de como ele sujou os pés de lama depois de descer da Arca.

Estúdios alugam equipamentos, certo? Berico também, mas se tu tivesse duro ele te emprestava. Quanto tu paga na hora de ensaio? E na de gravação? Com o Berico tu tinha desconto se precisasse ou parcelava sem juros, se precisasse. Ele não fazia apenas o trabalho dele de montar a sala ou gravar o som, ele te ajudava a melhorar o teu som: “Olha, na minha experiência isso não vai dar certo não… e se vocês fizessem assim…” E  tua arte ficava melhor, e tu aprendia coisas novas! Quando algum deus grego ou africano inventou a música o Berico tava lá, tu num ia dar mole de não ouvir os bizus do cara, né?

Uma banda fechava 6h de gravação com ele, ok. Mas se precisasse passar um pouco para que ficasse bom de verdade, ele não cobrava aquele tempo excedente. Aliás, era preciso ter tempo mesmo porque sempre antes ou depois dos ensaios a conversa rolava, se deixasse, por horas. Muitas histórias, conselhos, risadas e ensinamentos valiosos que foram fundamentais para muitos músicos que, por exemplo, estavam começando com sua banda, perdidos no rolé. E mano, ia gente de tudo que é canto do Rio e da Baixada pra lá.

E as gambiarras? Tu nem imagina o quanto ele era também o mestre do armengue, da gambiarra, da engenharia alternativa. Sem contar que ele mesmo mudou toda a estrutura da casa de cima e depois da debaixo (residência e estúdio, respectivamente). Não tinha estúdio no Rio com aquela “organização” e primando pela verdade preciso dizer que aquela maneira de pendurar os microfones com os fios passando por canos de PVC presos ao teto – meu deus do céu – foi uma das coisas mais sem sentido que vi na vida! E aqueles fucking tijolinhos colados num carpete também não fazem muito sentido. Como já disse Titãs: “Nem sempre se pode ser deus”.

Conheci Berico em março de 2013, quando fui pela primeira vez ao ensaio da banda de Punk Rock RAMYREZ 77 e de cara achei aquele lugar incrível. Chucky Ramyrez (baixista da banda) e ele pareciam ter muito amor um pelo outro: um dizia “Matusalém” e o outro respondia “anão” (só quem ama xinga com ternura). Gente tocando nas duas salas, batendo papo e bebendo cerveja! Fiquei muito à vontade e meu conceito de “ficar à vontade” envolve roubar o microfone de um dos músicos pra cantar “I Wanna Be Sedated”, rolar no chão (na minúscula sala 2) e depois ouvir o corôa dizer: “Essa mesa custou X Reais! Se você quebrasse eu te matava!”. Onde tu ensaia te ameaçam de morte? Acredito que não. Boring.

Poxa corôa, esperava poder te perturbar por muito mais anos, ver você me chamando de tagarela e te receber mais vezes na minha casa pra comer pipoca e macarrão… Jogo sujo isso de partir assim… Nunca o esqueceremos, manteremos sua memória viva através das muitas histórias e de suas canções.  Nunca o perdoaremos por nos obrigar a procurar um outro espaço para ensaiar e gravar que não seja o Estúdio Kaoma – o clássico do Méier. *Enfim… vai na paz Mestre, espero que São Pedro e o “pessoal da cidade que voa” gostem de Bee Gees.

 

*Usei meu bordão do “enfim” porque sei que tu gostava e nunca mais vai me pedir pra repetir.

** Foto 1: Chucky Ramyrez e Berico num abraço daqueles de conselhos ao pé do ouvido em julho de 2017. Ocasião em que fizemos um churras comemorando o niver do brinquedo assassino. Onde tu ensaia pode fazer churrasco? Registro que eu mesma fiz.

*** Foto 2 e 3: cedidas gentilmente por Hannael Holliver Anael, colega de banda e de vida do Berico. É o músico de verde na foto dos TRACES.

Obs.: Você ou sua banda passaram pelo Kaoma? Fala um pouco aí nos comentários!

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Diário Underground, histórias do underground Rock n Roll do Rio e Baixada Fluminense, todas as quartas após às 18h, aqui no blog da Oficina do Demo. Beijinhos paçoquísticos.

Ouça bandas independentes.  Vá aos shows.  Curta e compartilhe material das bandas na internet.

 

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Who’s that girl?

Paçoca Psicodélica, vulgo Yasmin Ramyrez. Cigana-hippie-punk, libriana, filha de Oyá, feminista com ascendente em tretas, mãe de adolescente. Educadora, escrivinhadeira, “missionária” do coletor na Copinho da Revolução, aprendiz de cartomante, ex-doula, no underground desde 1996, co-criadora e produtora do Festival Hippie Punk Beatnik, vocalista e produtora da Ramyrez 77, produtora e apresentadora do podcast Bora Marcar?, fábrica de ideias.