NO TALO #5

NO TALO #5

10 de maio de 2018 1022 Por Eddie Asheton

VIDA E CENSURA DE LENO McCARTNEY

Leno – “Vida e Obra de Johnny McCartney” (gravado em 1970/1971, mas lançado apenas em 1995)

 

leno

Queria mais um bom motivo pra ser contra o Golpe de 64? Então aí está! Graças a ele ficamos privados durante décadas de preciosidades como esse disco. E que disco! Mereceria ser mencionado aqui mesmo que fosse só pelo seu nome e pela sua capa genial. Capa essa que faz uma brincadeira com o duplo sentido da palavra “obra”, e mostra Leno no meio de uma construção, numa bonita foto em preto e branco.

Aí você me pergunta: afinal, quem é esse tal de Leno? Gileno Osório Wanderley de Azevedo, ou simplesmente Leno, fez parte da dupla Leno & Lilian, na época da Jovem Guarda. Juntos eles gravaram músicas que todos conhecem, como “Pobre Menina” e “Devolva-me”.

“Falando de disco de Jovem Guarda? O próximo passo vai ser virar o China, aquele que era do Sheik Tosado, e exaltar as maravilhas do Rei”. Não mesmo, meus caros. Nem se me oferecessem a grana que deram pra ele comer carne da Friboi!

Uma vez que estava sem a companhia de Lilian, Leno aproveitou e deu um passo ousado. Existem resquícios da Jovem Guarda? Sim, como na bobinha que dói “Bis”. Mas a maioria do disco mostra que Leno estava bem atento ao que estava se tocando fora do Gran Circo Roberto Carlos. Uma prova disso é “Por Que Não?”, que na verdade é uma versão de “All Right Now” do Free, e conta com a ajuda especialíssima do então quase anônimo Raul Seixas e da Bolha. Isso mesmo, a Bolha acompanha Leno nessa e em mais 4 músicas. Uma delas, “Peguei uma Apolo”, é composição do baixista da Bolha, Arnaldo Brandão, e só foi lançada oficialmente pela banda décadas depois no disco “É Só Curtir”, em 2006, com o nome de “Sub Entendido”. Vale também mencionar que eles abrem e fecham o disco com o rockão “Johnny McCartney” e a sua reprise.

A ficha técnica com os músicos que participaram do disco é um espetáculo à parte. Além dos já citados inclui gente do quilate de Renato “e seus Blue Caps” Barros, Trio Ternura, Marcos Valle e os Golden Boys. Mas especialíssima mesmo é a participação de Roberto Pelin Capobianco e Carlos Caio Vila, que tocam nas músicas “Não Há Lei em Grilo City” e “Contatos Urbanos” e formavam a cozinha da então recém acabada banda uruguaia Los Shakers. Banda maravilhosa e que merece muito ser descoberta e ouvida por quem ainda não os conhece!

Sonoramente o disco é um belo apanhado de canções de rock pauleira, belas baladas, momentos que beiram o medieval e o debochadíssimo pastiche folk de “Sr. Imposto de Renda”, com uma letra que continua atualíssima e que conta apenas com Leno cantando, tocando violão e gaita, além de um coro impagável de Raul Seixas e companhia. Alfinetadas dessa e de outras músicas como “Não Há Lei em Grilo City” e “Pobre do Rei” é que certamente devem ter incomodado os censores e provocado o engavetamento desse diamante bruto. Por razões que até a razão deve desconhecer poucos anos depois a censura fez vista grossa e “Grilo City” apareceu no disco “Meu Nome é Gisleno”, lançado em 1976.

E se hoje você pode entrar no Youtube, por exemplo, e ouvir esse disco agradeça ao nosso grande pesquisador Marcelo Fróes. Foi ele que em 1994, quando fazia pesquisas sobre a Jovem Guarda, encontrou por acaso nos arquivos da Sony Music as fitas com as músicas deste disco. Com a ajuda do próprio Leno, o disco foi organizado da forma que deveria ter sido lançado mais de 20 anos antes. No ano seguinte Leno lançou uma pequena tiragem do disco pelo seu selo Natal Records, que rapidamente se esgotou e já virou uma raridade. Mas em 2009 conquistou o mercado lá de fora ao ser relançado pelo selo americano Lion Productions, responsável pelo relançamento de pérolas de todas as partes do mundo, como os ingleses do The Attack e Los Saicos, peruanos que são considerados por muitos os verdadeiros pais do punk.

E onde se pode ouvir o disco sem ter que desembolsar uma grana preta pra comprar o CD importado? Em quais plataformas ele tá disponível? Não sei, não me pergunte. Mas posso lhes dizer que neste momento, e espero que assim continue por muito tempo, ele está disponível no Youtube. E aí embaixo vai o link pra você ouvir e tirar suas próprias conclusões. Tirar 35 minutos da vida pra ouvir um disco clássico desses não é um mau negócio!

https://www.youtube.com/watch?v=W5nGe16SVrg