NO TALO! #6

NO TALO! #6

17 de maio de 2018 292 Por Eddie Asheton

UMA ESTÓRIA SOBRE LITTO, PAPPO, OS GATOS E A MULHER PERDIDA

Los Gatos – Rock de la Mujer Perdida (1970)

 

https://www.youtube.com/watch?v=jcLGlopq2uA

E agora vamos falar sobre algo de que eu gosto muito, e que alguns de vocês devem gostar também. E quem não conhece é bem capaz de adorar quando ouvir. Estou falando do bom e velho rock argentino, especialmente aquele feito nas décadas de 60 e 70. Esqueça Fito Paez, esqueça Soda Stereo. Esses não levam ninguém pra lugar nenhum. Agora Los Gatos, especialmente nessa fase com o grande Pappo na guitarra… aí já é uma estória completamente diferente! Vamos a ela, então.

O ano é 1969. Los Gatos já eram uma banda muito bem consolidada no cenário e nas paradas do rock argentino, especialmente pelas belas melodias tocadas e entoadas por Litto Nebbia, um dos maiores gênios do rock argentino, e seus companheiros de banda ao longo dos 3 álbuns lançados até então: “Los Gatos”, “Volumen 2” e “Seremos Amigos”. Mas, assim como no resto do mundo, tanto a sociedade quanto o rock and roll estavam mudando em velocidade supersônica. E com isso Los Gatos entraram nessa mudança, não só no som como também na sua formação. O guitarrista dos três primeiros discos, Kay Galifi, casa e se muda para cá, pro Brasil. No seu lugar entra um garoto de 19 anos que logo se tornaria uma das maiores lendas do rock de seu país: Norberto Anibal Napolitano, mais conhecido como Pappo.

Pappo ficou pouco tempo na banda, mas tempo suficiente para dar uma guinada no som dos gatos com os discos “Beat N° 1”(1969) e “Rock de la Mujer Perdida”(1970). Essa injeção de hard, blues e energia trazida por Pappo deve ter encantado alguns e desnorteado outros, já acostumados com belas amenidades dos discos anteriores, como “La Balsa” e “Seremos Amigos”.

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Não seria exagero dizer que Pappo foi uma espécie de Eric Clapton argentino. Assim como o mais que famoso guitarrista inglês, Pappo passou a maior parte da sua carreira na encruzilhada entre fazer um rock’n’roll com influência do blues e um blues com o pé fincado no rock’n’roll. Voltando aos Gatos: “Beat N°1” já trazia um som ligeiramente diferente do que havia sido feito anteriormente por Litto Nebbia e companhia. Mas foi com “Rock de La Mujer Perdida” que a coisa pega fogo.

O disco começa com o som rascante da guitarra de Pappo, abrindo a música que dá nome à bolacha. Um blues rock da pesada, com destaque também para o órgão envenenado de Ciro Fogliatta. O pobre ouvinte desavisado mal tem tempo de respirar e já emenda a pauleira respeitável de “Requiém para um Hombre Feliz”, onde a cozinha (Alfredo Toth no baixo e Oscar Moro na bateria) faz misérias. Em seguida o clima abranda com “Los Dias de Actemio”. A suavidade desse blues e a bela voz de Litto Nebbia servem para nos avisar que apesar das mudanças ainda manteve-se algum elo com Los Gatos de outrora. Na verdade é um dos poucos momentos em que é possível fazer essa conexão. Logo em seguida tudo volta a ficar de pernas pro ar com a porrada instrumental “Invasion”, digna do que gente como Jimi Hendrix e Ten Years After estavam fazendo muito além do Mar del Plata. Vale dizer que essa é a única música do disco onde não aparece o nome de Litto Nebbia como compositor, sendo creditada aos outros 4 membros da banda.

Assim como o primeiro lado, o segundo também começa com um blues rock dos bons, “Mujer de Carbón”, dessa vez guiada pela já cavernosa voz de Pappo. A inconformada “No Fui Hecho Para Esta Tierra” é um rockão curto e grosso com ares do que o Cream fez de mais pesado. “Por Que Bajamos a La Ciudad” é Los Gatos dos velhos tempos mas com um balanço inexistente nos primeiros discos, uma fusão muito interessante.

E o disco não poderia fechar de outra forma. Fecha com “Blues de la Calle 23”, um blues lento, bem relaxado ao longo de seus quase sete minutos. É um daqueles discos que terminam e te deixam perdido, como se você estivesse na escada do prédio num dia sem luz. O que aconteceu? Como processar tanta informação? Só lhe resta ouvir tudo de novo! E de novo… e de novo…

Los Gatos con Pappo1

Logo depois do rock da mulher perdida Pappo sai da banda e monta o Pappo’s Blues, sempre acompanhado por ótimos músicos ao longo de suas várias formações, e gravando e lançando um disco melhor que o outro. No finalzinho da década abraça de vez o hard rock e forma o excelente e pesadíssimo Riff, com o qual lança mais discos impecáveis! Remonta várias vezes o Pappo’s Blues, outras tantas o Riff, lança o disco homônimo do Aeroblus em 1977 com Alejandro Medina no baixo e o impossível Rolando Castello Junior na bateria, toca em Buenos Aires ao lado de BB King e grava mais uns tantos discos até o ano de 2005, quando morre num acidente de moto.

O quarteto remanescente seguiu em frente e no ano seguinte lançou mais um disco, “Inédito: Em Vivo!”, que apesar do nome tem algumas gravações em estúdio além das músicas ao vivo. Depois a banda acabou de vez. Assim como Pappo, Litto Nebbia seguiu e segue até hoje uma carreira longa e de sucesso, que inclui discos maravilhosos como o segundo, “Litto Nebbia”, de 1970 (ou seja, quando ainda existia Los Gatos), o meio jazzístico “Nebbia’s Band” (1971) e “Despertemos em América”(1972).

No ano passado, pra comemorar os 50 anos da estréia dos Gatos em vinil o selo Melopea Discos, de Litto Nebbia, relançou os seis álbuns de estúdio, alguns deles com uma faixa bônus de brinde. E aí vem a pergunta: vale a pena catar toda a discografia dos Gatos e ouvir? Claro que vale! Mesmo a fase mais água com açúcar tem várias pérolas à disposição. E as músicas mais, vamos dizer, bobinhas não ofendem a inteligência de ninguém. Dá pra ouvir desde o que eles têm de mais leve ao que eles têm de mais pesado sempre com um sorrisão de orelha a orelha. Assim como várias outras bandas sensacionais do rock de lá! Comece já a sua busca! Andale, andale!