Diário Underground #6

Diário Underground #6

30 de maio de 2018 1069 Por Yasmin Ramyrez

Resistência anticaretice 

Viralizou esses dias o vídeo de uma gig rolando no quintal de alguém, não lembro agora em qual canto aí do Brasil, na qual as pessoas se divertiam MUITO pogando quase caindo nos músicos, batendo prancha de bodyboarding nos outros, tomando corote, se pendurando nas paradas (tudo naquele clima de “caraca a qualquer momento vai dar merda e vão destruir a porra toda ou tampar na porrada, ou alguém vai se quebrar, ou quebrar um equipamento, mas tá maneiro pra kct”)!! De repente todo mundo se ligou no quanto estamos caretas, frios, chatos, sem sal. É muito bom ver o quanto as bandas atuais tem cada vez uma melhor qualidade, as casas de show equipamentos um pouco melhores do que 2 décadas atrás, mas, poxa… A gente perdeu alguma coisa nesse caminho. A maior parte das bandas se leva a sério demais, tá no underground visando o mainstream e parece não se divertir com o que faz. A gente percebe facilmente. Cadê o clima divertido, lúdico, sem frescura que havia nos shows, nos points e nas performances de palco das bandas?

Uma vez, num point em Caxias, na esquina da Praça Humaitá, acho que o nome era Nigth Club (ajudaê galera, diz se é isso), entre 1997 e 1999, eu encontrei o Rato Branco e outros amigos. Uma noite como outra qualquer se não fosse o fato de eu ter arrumado uns pregadores de roupa não sei como e ficar prendendo nas roupas das pessoas pra zoar como se elas tivessem saído pra rua daquele jeito e num determinado momento começamos a jogar água uns nos outros e tipo brincar de pique-pega no meio do show! Ninguém com menos de 20 anos! kkkkk

Tinha também o Point da Ligth no centro de Caxias, que era um pequeno clube muito caído onde o queridão Índio Spike começou a botar som em 1997. A maior parte do tempo era só música mecânica (eu não me lembro bem). Mano, tinha uma piscina lá. Não podia usar a piscina. Mas era óbvio que eu me jogava nela em algum momento de coturno, saião e camisa de banda! E geral se jogava e o cara ficava puto e mandava a gente sair. A gente saía e depois se jogava de novo! O cara me olha torto até hoje! kkkk Aquele point era demais! Os grunge, os bangers, os ripongas, os punks… Todo mundo junto ali. Que época senhores, que época! Tinha uma galera que fazia merda na rua, isso eu já achava caído: quebrar garrafas, chutar portas de lojas… Vacilo.

E o Rock na Praça da Rádio Cidade, no início dos anos 2000 lembram? Teve uma edição na zona oeste do Rio (acho que na Praça do Canhão) que  foi uma das coisas mais lindas que vi no underground: choveu aos cântaros e fez muita, muita lama, a gente abraçou o capeta e ficou dando carrinho em geral na lama, rolando na lama, tacando lama. E a volta pra casa? Imagina tu ir craquelando de lama pedindo pra passar por debaixo da roleta do busão de Marcehal Hermes até Caxias (olha no Google)? kkkkkk

Pausa: Cara eu fico triste quando vejo a galera falando mal da Rádio Cidade (volte ao #Diário Underground 5, quando falo que o mal do Rock somos nós mesmos).

Igualmente inesquecível no quesito non sense TODAS as edições do Rock na Praia que a Rádio Cidade fez. Gente tacando coco no Chorão da extinta Charlie Brown Boring Junior (hahahaha); tacando areia nas patricinhas; arrastão de pit playboy e tu num sabia se corria pro mar os se corria pra rua (pqp! Nessa ocasião da playboyzada azucrinando o rolé, era show dos cara lá que botam digiridu dos aborígenes no som, Midnigth Oil, mais banda a maior banda de Reggae do Brasil, dos tiozinho cego, a Tribo de Jah; a parada mó good vibes e os playba da Barra da Tijuca tretando pra ver quem tinha o cachorro mais geneticamente modificado ou o pau menor de tanto anabolisante! Lembro de num dos diversos momentos de confusão, ver surgir um imenso vazio no meio da galera e nele, um motociclista de óculos, sozinho, apartando duas galeronas. kkkk Um amigo meu!!); era maluco acendendo tora de maconha do teu lado; era os sapato tudo sendo levado pelo mar; geral na chuva; abraçando desconhecidos; era nego metendo na água… Que eventos lindos!

O pessoal da banda Zumbi do Mato fazia um monte de loucura em cima do palco, chamava amigos e colegas de outras bandas pra fazer participações toscas vestidos de Batman ou de “Espírito do Natal”, por exemplo, o que vc pode facilmente comprovar assistindo um vídeo na internet que mostra o Chucky Ramyrez (Ramyrez 77) e Eddie (Blind Horse), com uns outros caras  em cima do palco do saudoso Garage, em dezembro de 1998, casa lotada, com bolas de árvore de Natal no pescoço, imitando o Sid Vicius, de peruca e gorro de natal e um outro cara no chão, fantasiado de ovelhinha enquanto se canta “As pastorinhas estão chegando o show do Zumbi já vai começar…” kkkkk  E a Gangrena? Caraca maluco, a primeira vez que vi a Gangrena Gasosa, lá no finado Bar do Juvenal, em 1997, jogando farofa nas pessoas eu fiquei aterrorizada! kkkkkk Ainda bem que ainda fazem isso, pois a Zumbi mudou a pegada e depois acabou. Uma pena.

Na ativa, que mantém viva a chama do nons sense não tem como não falar da Mau Presságio que além de fazer Punk Rock e HC de bêbado (de gente desesperada que quer mais que o mundo se exploda depois do próximo porre), conta com o Chiquinho no vocal que em algum momento vai arrancar a roupa ou entrar na piscina totalmente vestido e de sapatos! Ícone do que cunhei RESISTÊNCIA ANTICARETICE no underground carioca. E a Cara de Porco? No útlimo show deles que fui em novembro passado, às 2h da manhã o vocalista, sempre vestido de, Saci saiu do bar onde a banda se apresentava, foi pro meio da rua, parou o trânsito fazendo espacate! Imagina tu tá indo pra casa e vem um monte de maluco rindo, correndo e pulando no meio da rua gritando “Quem tá no Rock é pra se fudeeerrr!”? kkkk Viva!!! Lembrei agora do Chucky Ramyrez jogando cerveja na cabeça, no público, em mim, nas caixas de som, em novembro passado, último show da Sudamericana Tour de 20 anos da banda Ramyrez 77, num galpão quase lotado na Argentina. A galera foi ao delírio.

Acho que é isso, a gente precisa se divertir mais. Sinto falta dessa loucura toda e acho a grande parte das apresentações e dos points bem abaixo de minhas expectativas. Hoje só vou a shows bem específicos, se for pra ver mais do mesmo, fico em casa. E humildemente contribuo como posso para tirar as coisas do lugar comum. Sacudir a bandeja do mundo, como me disseram uma vez. Não adianta a gente pirar vendo vídeo dos moleques se divertindo com simplicidade e aqui na nossa realidade ir ou fazer uma cena tão gourmetizada e careta. Bora zoar, carai!

 

************************

Diário Underground, minhas histórias no underground Rock n Roll do Rio e Baixada Fluminense, todas as quartas aqui no blog da Oficina do Demo. Como tenho memória de peixe, não espere fidelidade aos fatos. Críticas, sugestões, comentários sobre o texto? Caixa de comentários, logo abaixo do texto. É pessoal? Vai no reservado. Beijinhos paçoquísticos.

Ouça bandas independentes.  Vá aos shows.  Curta e compartilhe material das bandas na internet.

_______________

Who’s that girl?

22424611_1494358477314828_5024862624394913775_o

Paçoca Psicodélica, vulgo Yasmin Ramyrez. Cigana-hippie-punk, libriana, filha de Oyá, feminista com ascendente em tretas, mãe de adolescente. Educadora, escrivinhadeira, “missionária” do coletor na Copinho da Revolução, aprendiz de cartomante, ex-doula, no underground desde 1996, co-criadora e produtora do Festival Hippie Punk Beatnik, vocalista e produtora da Ramyrez 77, produtora e apresentadora do podcast Bora Marcar?, colunista quinzenal em One Degrau, fábrica de ideias.